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Samambaias e estruturas de poder

Atualizado: 6 de out. de 2020




Ao longo da história, espécies de plantas são valorizadas ou desvalorizadas pelas sociedades de acordo com os usos culturais que lhes são atribuídos.


Na década de 1980, as samambaias eram quase uma “marca” das casas de classe média brasileira, principalmente no Sudeste, que é onde vivo (definitivamente, não dá para falar de “Brasil” como um conjunto cultural único em um país multicultural, de dimensões continentais e com tamanha biodiversidade).


Com o passar do tempo, elas se tornaram “fora de moda” e começaram até a serem consideradas cafonas. Mas, recentemente, as samambaias retomaram seu lugar de destaque e podem ser vistas em muitos sites e perfis de redes sociais voltados para o tema da decoração de interiores. Uma reportagem do jornal O Globo, de 2018, afirma que a plataforma Pinterest registrou um aumento de 475% nas ideias salvas sobre samambaias no ano anterior (2017). Elas tornaram-se quase “obrigatórias” nos lares descolados de classe média, como pode ser visto em alguns perfis do Instagram, como o @historiasdecasa e @minhacasaminhacara, que eu sigo e gosto muito (acreditem ou não, minha segunda opção no vestibular para cursar uma graduação foi Design de Ambientes).


Na modernidade, as plantas se converteram em objetos de consumo e, assim como qualquer outro (pensemos nos carros, eletrodomésticos, eletrônicos, etc.) também tornaram-se indícios de distinção social. Ou seja, ter uma espécie valorizada no mercado em sua casa pode ser um indicativo do seu status social.

Na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, o plantio de alamedas de árvores de forma ordenada e geométrica em propriedades aristocráticas anunciavam a residência de alguém “distinto”. Keith Thomas, em seu livro “O homem e o mundo natural”, afirma que “em inícios do século XVII a alameda de tílias, olmos ou castanheiros-da-índia tinha se tornado símbolo reconhecido de condição aristocrática” e eram uma forma de submeter toda a região à autoridade da mansão. Basta nos lembrarmos de qualquer produção cinematográfica que se dedique à cultura das aristocracias modernas europeias para que as imagens de grandiosos jardins e alamedas se formem em nossa mente e os identifiquemos como símbolos de poder.

Por volta do mesmo período em Minas Gerais, entre o final do século XVIII e início do XIX, foi criado o jardim do palácio episcopal de Mariana, idealizado por frei Cipriano de São José. E ele também pode ser pensado como um símbolo do elitismo daquele religioso que, ao construir um jardim “erudito”, planejado, demonstrava seu pleno enquadramento no rol das elites ilustradas europeias, que tinham o conhecimento da história natural como uma forma de distinção.

Assim, das samambaias da atualidade às alamedas modernas europeias, as plantas podem ser consideradas indícios das estruturas de poder de uma sociedade. E é nesse sentido que a história ambiental tem um importante papel no estudo das humanidades, pois nos ajuda a compreender que as relações de poder também se materializam nos usos que se fazem da natureza.

 

* Dedico este texto à minha mãe, que sempre gostou de samambaias e com que aprendi a apreciar o cuidado com as plantas. Sempre que me dedico às minhas plantinhas me lembro dela.

Referências:


CABAN, Isabela. Febre dos jardins verticais traz samambaias de volta à cena. O Globo. Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2012.

COSTA, Jaqueline. Plantas que já foram consideradas cafonas voltam à moda. O Globo. Rio de Janeiro, 19 de abril de 2018..

MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. Uma quinta portuguesa no interior do Brasil ou A saga do ilustrado dom frei Cipriano e o jardim do antigo palácio episcopal no final do século XVIII. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.4, out.-dez.2009, p.881-902.

THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais, 1500-1800. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

ZUQUIM, Gabriela... [et al.]. Guide to the ferns and lycophytes of REBIO Uatumã - Central Amazonia (Guia de samambaias e licófitas da REBIO Uatumã - Amazônia Central) Manaus: [s.n.], 2008.

 

Como citar este texto:


CAPANEMA, Carolina M. Samambaias e estruturas de poder, Viçosa. 2020. Disponível em: <https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/samambaias-e-estruturas-de-poder>. Acesso em: [Data de acesso].


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