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Que histórias as florestas podem nos contar?

Atualizado: 10 de jun. de 2021




Quem contempla esta mata exuberante não imagina que ela possa ser fruto de um processo histórico que inclui a interação humana. A um olhar desatento, parece tratar-se de um fragmento de "natureza intocada". Mas, não é bem por aí...


Ela está situada nas margens do ribeirão São Geraldo, que desce a serra homônima, na Zona da Mata Mineira. Serra por onde passa a linha da Estrada de Ferro Leopoldina, construída no final do século XIX e desativada na década de 1990.


Este trecho que cruza a cidade de São Geraldo era considerado por muitos como um dos mais bonitos de toda a Leopoldina devido a sua característica íngreme, de acordo com o site Estações Ferroviárias do Brasil. A visão panorâmica da paisagem que alguns trechos da estrada oferece pode ser contemplada na estação Mirante, localizada em uma altitude mais elevada da serra (Figuras 1 e 2).


Estação Mirante e visão panorâmica a partir de seu interior. Foto: Carolina Capanema, jun.2021.
Figura 1: Estação Mirante e visão panorâmica a partir de seu interior. Foto: Carolina Capanema, jun.2021.
Vista estendida a partir da estação Mirante. Foto: Carolina Capanema, jun.2021.
Figura 2: Vista estendida a partir da estação Mirante. Foto: Carolina Capanema, jun.2021.

No vídeo abaixo é possível se ter uma ideia da configuração do relevo e, ao final do percurso, há a sinalização do local em que a mata do primeiro vídeo está localizada.



Para instalar um projeto de grande porte como este – linha férrea, estruturas de operação e manutenção, edifícios administrativos, etc. (Figuras 3 e 4) – em um percurso tão sinuoso foi necessário movimentar muito solo, fraturar rochas, construir taludes, manejar água, suprimir vegetação, além do uso de muita madeira e ferro. No córrego que cruza a mata mencionada acima, por exemplo, foi construído um duto de alvenaria para conduzir a água abaixo da linha férrea (Figura 5).


Caixa d'água nas proximidades do córrego S. Geraldo. Foto: C.Capanema, jun.2021.
Figura 3: Caixa d'água nas proximidades do córrego S. Geraldo. Foto: C.Capanema, jun.2021.
Edificação nas proximidades da linha férrea. Serra de S.Geraldo. Foto: C.Capanema, jun.2021.
Figura 4: Edificação nas proximidades da linha férrea. Serra de S.Geraldo. Foto: C.Capanema, jun.2021.
Duto em alvenaria para a condução do curso d'água abaixo da linha férrea. Foto: C.Capanema, jun.2021.
Figura 5: Duto em alvenaria abaixo da linha férrea. Foto: C.Capanema, jun.2021.

As obras para canalizar aquele trecho do curso d’água provavelmente removeram grande parte da mata original. A presença de árvores como mangueiras e bananeiras no local, que são plantas exóticas que costumam acompanhar as ocupações humanas, também são indícios de que aquele território foi bastante modificado. Além de haver também uma profusão de embaúbas (árvores do gênero cecropia), estas sim espécies originárias do Brasil, muito comuns em áreas em recuperação. Ao acompanhar o trilho da antiga linha férrea é possível ver a vegetação retomando seu lugar em meio às estruturas abandonadas e construindo uma nova paisagem (Figura 6 e vídeo).


Figura 6: Vegetação tomando a linha férrea. Foto: Carolina Capanema, jun.2021.

No Brasil, há pesquisadores que se dedicam especialmente a estudar as interações entre humanos e outros organismos nas florestas brasileiras, como é o caso de trabalhos desenvolvidos pelos integrantes do Laboratório de Biogeografia e Ecologia Histórica da PUC-Rio e investigações realizadas nas florestas amazônicas. Estudos evidenciam que, muitas vezes, uma mata consolidada esconde a história de um longo processo de contato entre as sociedades e o ambiente. Como muito bem observaram os pesquisadores Rogério Oliveira e Carlos Engelman, no entanto, muitas vezes estas transformações estão escondidas

“sob o véu de uma visão estática das paisagens, feita apenas a partir de sua configuração atual. Em uma perspectiva histórica é evidente que a paisagem que nos chegou até hoje é produto das relações de populações com o seu ambiente”.

Caso emblemático é o da floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, cujo território era ocupado, até meados do século XIX, por fazendas, plantações de café e de outras espécies de plantas, carvoarias e outras estruturas, quando foi foco de uma política de reflorestamento. Naquele período emergiu na cidade um grande debate sobre os problemas de abastecimento hídrico e concluiu-se que a remoção da vegetação dos morros e maciços cariocas estavam entre suas principais causas.


Outro exemplo interessante é o da Serra do Brigadeiro, em Minas Gerais, cujo território foi alvo de empreendimentos siderúrgicos que se dedicaram a extrair madeira do local em meados do século XX para a produção de carvão vegetal. A Companhia Agro Florestal, empreiteira da Belgo Mineira, chegou a instalar um teleférico na serra para o transporte da madeira. O teleférico ligava os pontos de extração, nas parte altas da serra, aos terrenos mais planos, onde a madeira poderia ser transportada em carros de boi ou lombos de burros (Figuras 7 e 8).


Figura 7: Foto na S. do Brigadeiro publicada na Revista do Empresário (1952). Fonte: SANTOS, 2019, p.71.
Figura 8: Transporte de madeira em teleférico na S. do Brigadeiro na déc.1950. Fonte: SANTOS, 2019, p.73.

Com a proibição da atividade na década de 1970 foi iniciado o processo de regeneração da vegetação, mas é possível ver os inúmeros vestígios daquela atividade na área que hoje abriga o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, uma unidade de conservação.


Figura 9: Mata no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro atualmente. Foto: H.Pardini, 2017.

A história daquele território e da criação do parque foi tema de dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal de Viçosa por Adailton Santos recentemente. Vale a pena conferir o trabalho e conhecer um pouco mais desta história que nos ajuda a (re)pensar as florestas como documentos históricos, como complexos sistêmicos que articulam elementos biofísicos e culturais numa totalidade objetiva, como bem observou Jean Marc Besse ao refletir sobre as paisagens.


 

Referências bibliográficas:


BESSE, Jean-Marc. O Gosto do Mundo: Exercícios de paisagem. As cinco portas da paisagem – ensaio de uma cartografia das problemáticas paisagísticas contemporâneas. Tradução de Annie Cambe, - Rio de Janeiro: EDUERJ, 2014.


EMBRAPA. Embaúba (cecropia Sp.). Disponível em: https://www.embrapa.br/agrossilvipastoril/sitio-tecnologico/trilha-ecologica/especies/embauba. Acesso em: 08/06/2021.


ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS DO BRASIL. Mirante, Município de São Geraldo/MG. Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/efl_mg_tresrios_caratinga/mirante.htm. Acesso em: 08/06/2021.


FRANCO, Luiza. O tempo em que o Rio de Janeiro secou após destruir floresta por café. BBC News Brasil. 1 de setembro de 2019. Disponível em:


HEYNEMANN, Cláudia. Floresta da Tijuca: natureza e civilização no Rio de Janeiro – século XIX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1995.


OLIVEIRA, Rogério Ribeiro de; ENGEMANN, Carlos. História da paisagem e paisagens sem história: a presença humana na Floresta Atlântica do Sudeste Brasileiro. Revista Esboços, Florianópolis, v. 18, n. 25, p. 9-31, ago. 2011.


PAVAN-FRUEHAUF, Sandra. Plantas medicinais de Mata Atlântica: manejo sustentado e amostragem. Annablume, 2000


PESSOA JÚNIOR, Erasmo Sérgio Ferreira et. al. Terra preta de índio na região amazônica. Scientia Amazonia, v. 1, n.1, 1-8, 2012.


SANTOS, Adailton Damião dos. Entre o machado do Curupira e gameleiras encantadas: conservação da natureza, território e identidades na Serra do Brigadeiro, Zona da Mata Mineira (1976-2006). Dissertação (Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania). Departamento de História, Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, 2019.


TEIXEIRA, Wenceslau Geraldes et. al. As terras pretas de índio da Amazônia: sua caracterização e uso deste conhecimento na criação de novas áreas. Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental, 2009.


 

Como citar este texto:


CAPANEMA, Carolina M. Que histórias as florestas podem nos contar. Viçosa. 2021. Disponível em: https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/que-hist%C3%B3rias-as-florestas-podem-nos-contar. Acesso em: [Data de acesso].







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