Ser cientista é uma atitude perante a vida, à realidade. É observar, indagar, buscar evidências para obter respostas, ainda que não existam ou nunca tenham sido pensadas. É também seguir as pistas de quem veio antes e entender processos. Então ser cientista não é para poucas, é para muitas. Não é excludente, como muitas vezes parece ser (ou querem fazer parecer).
Quando se escolhe uma profissão é necessário conhecer os códigos daquela ciência e estudamos muito para isso, eu escolhi a História. Mas os princípios do método científico são quase inerentes à humanidade. Pense em como usamos suas etapas para resolver as mais variadas questões (identificação de um problema/observação, formulação de hipóteses, experimentação, análise e organização de dados, conclusão).
E as mulheres atuam e atuaram amplamente nessa direção (parece óbvio, mas é sempre bom reforçar), por mais que não tenham sido incentivadas ou possibilitadas de expor suas ideias ao longo da história. Sob uma perspectiva ortodoxa, as mulheres só começaram a fazer ciência quando aparecem os registros de sua atuação. Mas isso é injusto, já que tiveram suas experiências ocultadas ao longo do tempo. É preciso romper com visões que negam a existência de atividades científicas por mulheres no passado, no Brasil e no mundo.
Mulheres observam processos com acurácia há milhares de anos e ao longo da história acumularam conhecimentos para lidar com seus corpos, com as plantas, com os mais variados seres, criando teorias elaboradas sobre processos ecológicos e sociais. Muitas mulheres e suas teorias foram historicamente apagadas por pseudônimos masculinos, pela estrutura patriarcalista e pela ausência de espaços para expor suas teses, entre tantos outros fatores.
Mary Shelley (1797-1851), escritora britânica, criou o best-seller Frankenstein: ou O Moderno Prometeu (1818), mas publicou-o anonimamente para escapar da crítica exercida por homens contra a produção literária feminina, tendo que lutar posteriormente para ter reconhecida sua autoria. Antes, sua mãe, Mary Wollstonecraft (1759-1797) escreveu Reivindicação dos direitos da mulher (1792), que você provavelmente nunca ouviu falar. Essas são apenas duas entre milhares de histórias ocultadas ou pouco conhecidas.
Poucas mulheres foram (e ainda são) reconhecidas como cientistas, embora tenham criado teorias e refletido profundamente sobre suas realidades. E muitas que assumiram a atitude e a prática científica acabaram por receber a alcunha de “aventureiras”, como muito bem observou a geóloga e historiadora da ciência Maria Margaret Lopes. Ela e tantas outras colegas nossas vêm tentando alterar a narrativa que se construiu sobre a atuação das mulheres na história.
A história da ciência nos mostra o quanto os espaços científicos foram e são misóginos, e não é à toa que existe uma data para “celebrar” nossa atuação na área. O Dia internacional da Mulheres e das Meninas na Ciência foi criado com o objetivo de fortalecer o compromisso global com a igualdade de direitos entre homens e mulheres em todos os níveis do sistema educacional.
Espero que um dia esse quadro mude. Enquanto não muda, leia mulheres, pesquise mulheres e valorize mulheres na ciência, na vida e no cotidiano.
Referências Bibliográficas:
LOBO, Luiza. Frankenstein, de Mary Shelley - entre literatura e ciência. Cosmos & Contexto. 21 de junho de 2021. Disponível em: https://cosmosecontexto.org.br/frankenstein-de-mary-shelley-entre-literatura-e-ciencia/.
LOPES, Maria Margaret. 'Aventureiras' nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil, Cadernos Pagu, Campinas, n.10, p.345-368. 1998. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/Ekstasis/article/view/46558.
SIQUEIRA, Ana Carla de Abreu. A condição das mulheres em Mary Wollstonecraft e Simone de Beauvoir. Ekstasis: Revista de Hermenêutica e Fenomenologia, vol.8, n.2, 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/Ekstasis/article/view/46558.
UNESCO. UNESCO celebra o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. 11 de fev. 2020. Disponível em: https://www.unesco.org/pt/articles/unesco-celebra-o-dia-internacional-das-mulheres-e-meninas-na-ciencia.
Sugestão de filme e documentário:
Mary Shelley (2017) | 2h | Filme baseado na vida real.
Sinopse Netflix: Mary Wollstonecraft Godwin tinha só 16 anos quando quis viver um amor e se tornou Mary Shelley, a feminista ferrenha que escreveu "Frankenstein".
Mercury 13 (2018) | 1h 19min | Documentário sobre ciência e natureza.
Sinopse Netflix: Em 1961, após uma rigorosa bateria de testes, um grupo de mulheres altamente capacitadas é colocado de lado para que apenas os homens se tornem astronautas.
Leituras Complementares:
CITELI, Maria Teresa. Mulheres nas ciências: mapeando campos de estudo. Cadernos Pagu, Campinas, n.15, p.39-75. 2000.
COSTA, Maria Conceição da. Divulgando a visibilidade das mulheres na ciência. Livros & Redes • Hist. cienc. saude-Manguinhos 15 (suppl) • 2008.
LIMA, Betina Stefanello; COSTA, Maria Conceição da. Gênero, ciências e tecnologias: caminhos percorridos e novos desafios. Cad. Pagu (48), 2016.
LOPES, Maria Margaret. As grandes ausentes das inovações tecnológicas em ciência e tecnologia. Cadernos Pagu, Campinas, n.19, p.315-318. 2002.
Para professoras - uma proposta pedagógica:
CAPANEMA, Carolina Marotta. A invisibilidade das mulheres nas fotografias da Comissão Construtora da Nova Capital (1894-1896). REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 6, n. 6, dezembro de 2019. Disponível em: https://www.academia.edu/42751075/A_invisibilidade_das_mulheres_nas_fotografias_da_Comiss%C3%A3o_Construtora_da_Nova_Capital_1894_1896_Proposta_Pedag%C3%B3gica.
Como citar este texto: CAPANEMA, Carolina M. Mulheres e Ciência, uma longa história. Acesso em: https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/mulheres-e-ciencia-uma-longa-historia. [Data de acesso].
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