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Krenak, o rio e o tempo: natureza como inspiração teórica para a história e para a vida


Parque Estadual do Rio Preto. Minas Gerais, 2015. Foto: H. Pardini.
Parque Estadual do Rio Preto. Minas Gerais, 2015. Foto: H. Pardini.

Atualmente, para mim não há nada mais criativo e subversivo do que o pensamento indígena.


O racionalismo nascido com os modernos e radicalizado nos séculos seguintes buscou tanto explicar o mundo e os processos biofísicos e socioambientais por meio de padrões mecânicos e exógenos que lhes tirou a vida.


As filosofias indígenas vão à contramão disso, pois se inspiram na vida e na natureza, como nos mostra o mais recente livro de Ailton Krenak, “Futuro Ancestral”. São os rios que sugerem ao Ailton que o futuro é ancestral, é a observação das águas que lhe sopra esse pensamento sobre o tempo e os processos históricos. Em suas palavras, “esse exercício de escuta do que os cursos d’água comunicam foi produzindo em mim uma espécie de observação crítica”.






Foi nessa inspiração originada na observação do ciclo da água que ele concluiu: “os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há um futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui”.


As águas que o Ailton observa estão na Terra desde tempos ancestrais, como indica o princípio do ciclo hidrológico: movimento contínuo que a água faz pelo meio físico e pelos seres vivos do ecossistema. Um importante processo biogeoquímico que faz com que estejam constantemente no ambiente.


Fonte: GUREVITCH, J.; SCHEINER, S.M; FOX; G.A.. Ecologia Vegetal. 2ªed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
Fonte: GUREVITCH, J.; SCHEINER, S.M; FOX; G.A.. Ecologia Vegetal. 2ªed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

Portanto, na perspectiva do rio, o futuro é o que já existiu e o que está aqui, transmutado. E esse princípio, que inspira o Ailton, não baseia-se em uma ideia prospectiva de tempo, tão comum aos ocidentais. As águas indicam que o tempo não é linear e não há redenção no futuro, pois elas sempre estiveram aqui.


Parque Estadual do Rio Preto. Minas Gerais, 2015. Foto: Carolina Capanema.
Parque Estadual do Rio Preto. Minas Gerais, 2015. Foto: Carolina Capanema

Como disse o historiador italiano Paolo Rossi. “nem sempre nem em toda parte alguém concebeu a si mesmo [ou ao mundo] como capaz de um crescimento indefinido que se realiza por um processo de sucessivas autocorreções”.


Essa imagem vinculada à ideia de progresso, que nega o passado como experiência positiva e projeta no futuro um senso de superioridade tem origens históricas precisas: a época moderna (séculos XVI-XVIII), momento em que a ciência e o racionalismo edificaram-se como conhecimentos legítimos.


O problema é que esse pensamento tem nos custado caro, na medida em que essa percepção nos desresponsabiliza pelo presente e depõe no futuro a esperança de reparação. As mudanças climáticas estão aí para provar que essa tese não deve mais nos servir.


E são as teorias elaboradas pelos povos originários, inspiradas nos processos ecológicos, que carregam a capacidade de trazer o pensamento, a ciência e a ação de volta à vida!


Parque Estadual do Rio Preto. Minas Gerais, 2015. Foto: Carolina Capanema.
Parque Estadual do Rio Preto. Minas Gerais, 2015. Foto: Carolina Capanema.
 

Referências Bibliográficas:


KRENAK, AILTON. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.


ROSSI, Paolo. Naufrágios sem espectador: a ideia de progresso. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

 

Leitura Complementar:


LE GOFF, Jacques. “Antigo/Moderno”. In: História e memória. 5ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003, p.173-206.


POMIAN. K. “Periodização”. Enciclopédia Einaudi, vol. 29. Porto: Imprensa Nacional– Casa da Moeda, 1984, p.164-213.

 

Como citar este texto: CAPANEMA, Carolina M. Krenak, o rio e o tempo. Viçosa. 2023. Disponível em: https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/krenak-o-rio-e-o-tempo-natureza-como-inspira%C3%A7%C3%A3o-te%C3%B3rica-para-a-hist%C3%B3ria-e-para-a-vida. Acesso em: [Data de acesso].










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