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Como as plantas podem nos ajudar a (re)pensar preconceitos

Atualizado: 6 de out. de 2020


Como as plantas podem nos ajudar a (re)pensar preconceitos
"Ervas daninhas" em perscpectiva. Foto: Herbert Pardini, 2020.


Nos últimos tempos, não tenho cortado a grama do quintal com frequência - sim, tenho esse privilégio de viver na roça e ter um quintal - e isso tem me trazido belas surpresas! Estão crescendo flores e folhagens que até então não tinha tido a oportunidade de notar. Mas por que, se elas são tão bonitas e singelas, essas plantinhas são geralmente chamadas de “ervas daninhas”?


Estudos botânicos, especificamente da área de etnobotânica, mostram as interações entre as populações, seus costumes e as plantas, e também como o desenvolvimento da humanidade e da vegetação se influenciam mutuamente. As plantas que temos hoje em nossas casas são frutos de processos biológicos e culturais.


As “ervas daninhas” que vêm surgindo no meu quintal não são boas ou más, são simplesmente plantas que recebem alcunhas antropomórficas positivas ou negativas, como “agressivas”, “oportunistas” ou “daninhas”. É o que nos lembra Alfred Crosby em seu livro que trata das trocas biológicas feitas pelo globo entre o ano 900 e 1900. Segundo ele, a palavra erva “refere-se a qualquer planta que se espalha com rapidez e derrota outras na competição pelo solo alterado”, por isso muitas vezes são vistas como “daninhas”.


Mas elas nem sempre são consideradas “desagradáveis”. A aveia e o centeio, por exemplo, já foram “ervas” e hoje são plantas cultivadas, amplamente valorizadas. Ao mesmo tempo, podemos imaginar quantas plantas nutritivas, que foram ou ainda são apreciadas por culturas indígenas na América, foram rebaixadas a “ervas” por não terem reconhecidos seus valores comerciais, em um mundo que só dá valor ao que é lucrativo .


A humanidade tem por hábito classificar pessoas (pela cor de sua pele, pela cultura, religião, idade, etc.), animais (como “nocivos”, úteis, domésticos, etc.), e com as plantas não é diferente. Essas escolhas e classificações são históricas e, neste último caso, afetam diretamente o que comemos, o que cultivamos, o que deixamos crescer e o que deixamos morrer.

E o que podemos fazer quanto a isso? Creio que primeiramente tomando consciência desses processos de classificação como escolhas culturais, e não como “verdades universais”. Em segundo lugar, aceitando e valorizando a diversidade de elementos da cultura e da natureza. Aprender a consumir com diversidade poderia ser uma terceira questão, valorizando o que as culturas tradicionais têm a nos apresentar, valorizando o conhecimento das nossas avós que sempre tinham um chá de ervas para melhorar um sintoma. Mas, principalmente, não discriminando hábitos, pessoas, animais e plantas.


As minhas ervas, que estão crescendo mais que grama, não serão mais daninhas para mim. Quem sabe elas até não têm propriedades curativas ou são alguma PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais) que eu desconheço?


 

Referências utilizadas no texto:


CABALZAR, Aloisio [et al.]. Manual de etnobotânica: plantas, artefatos e conhecimentos indígenas. São Paulo: Instituto Socioambiental; São Gabriel da Cachoeira, AM: Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), 2017.

CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais, 1500-1800. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.



Algumas sugestões de leituras sobre etnobotânica:


ALMEIDA, Vanusa Sousa; BANDEIRA, Fábio Pedro Souza de Ferreira. O significado cultural do uso de plantas da caatinga pelos quilombolas do Raso da Catarina, município de Jeremoabo, Bahia, Brasil. Rodriguésia 61(2): 195-209. 2010.

CYPRIANO, Raphael Jonas; DUQUE-BRASIL LANDULFO TEIXEIRA, Reinaldo. Etnociência da Ciência: a busca por simetria na pesquisa científica. Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 01-13, set. 2017.

DARIO, Fabio Rossano. Uso de plantas da caatinga pelo povo indígena Pankararu no estado de Pernambuco, Brasil. GEOTemas, Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil, v. 8, n. 1, p. 60-76, jan../jun. 2018.


ELISABETSKY, Elaine. Etnofarmacologia. Cienc. Cult., São Paulo , v. 55, n. 3, p. 35-36, Sept. 2003.

ROCHA, Joyce Alves; BOSCOLO, Odara Horta; FERNANDES, Lucia Regina Rangel de Moraes Valente. Etnobotânica: um instrumento para valorização e identificação de potenciais de proteção do conhecimento tradicional. Interações (Campo Grande), Campo Grande , v. 16, n. 1, p. 67-74, June 2015.

SILVA, Núbia da [et al.]. Conhecimento e Uso da Vegetação Nativa da Caatinga em uma Comunidade Rural da Paraíba, Nordeste do Brasil. Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 34:5-37, abril de 2014.


 

Como citar este texto:


CAPANEMA, Carolina M. Como as plantas podem nos ajudar a (re)pensar preconceitos . Em Tudo Vejo Natureza, Viçosa. 2020. Disponível em: <https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/como-as-plantas-podem-nos-ajudar-a-re-pensar-preconceitos>. Acesso em: [Data de acesso].


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