História ambiental é o campo da história que estuda as interações entre “sociedade” e “natureza” ao longo do tempo.
Mas por que coloco esses dois conceitos entre aspas? Porque para iniciar qualquer entendimento sobre o tema é necessário problematizá-los. A “sociedade” não existe separada da “natureza”, pois somos seres biológicos que participam dos processos que convencionamos chamar de “naturais”. Comumente utilizamos os termos de maneira desassociada como convenções conceituais para facilitar a compreensão da temática – e não há nenhum problema nisso –, mas é preciso levar essas reflexões em consideração.
Os fenômenos humanos e não-humanos se interconectam e são intrinsecamente interdependentes, como em um sistema de redes que se ligam. Questionamos a distinção entre meio biofísico e sociedade, pois parte de dois princípios: (1) de que há uma separação intrínseca entre seres humanos e as comunidades bióticas e abióticas e (2) de que o homo sapiens as domina (ou deveria dominá-las). Esta é uma concepção antropocêntrica de mundo que foi se afirmando ao longo da história, mas que não precisa ser reiterada.
A história ambiental considera, assim, o chamado mundo “biofísico” como parte constitutiva das dinâmicas histórico-sociais e não apenas como um palco ou cenário em que se desenvolvem os acontecimentos. Há uma determinação recíproca, dinâmica e complexa desses “mundos”. Como disse um respeitado estudioso da área, Donald Worster, a história ambiental “rejeita a premissa convencional de que a experiência humana se desenvolveu sem restrições naturais, e de que somos uma espécie distinta “super natural””. Afinal, como já foi dito, somos seres biológicos, ainda que produtores de cultura.
Nosso objetivo, nesse campo de pesquisa e ensino, é aprofundar o entendimento das dinâmicas e inter-relações entre os seres humanos e não-humanos, que podem ser pensadas tanto em seus aspectos materiais (como a modificação histórica das paisagens; os usos da natureza como “recurso” para o desenvolvimento de atividades econômicas e sociais, etc.), quanto imateriais (as mudanças no conceito de natureza ao longo do tempo, como trabalhado no post sobre a falsa ideia universal de “natureza”; as formas de se perceber a natureza historicamente, ou seja, os valores culturais atribuídos ao meio físico e biótico em cada tempo, sejam eles estéticos, científicos, utilitários ou intrínsecos; a produção intelectual de autores e autoras que refletiram ou refletem sobre o tema, etc.).
* Dedico esse post à minha querida amiga Priscila Dorella e aos alunos do grupo de estudos por ela coordenado - “História das Américas: ou criamos ou erramos”, do Departamento de História de UFV -, com quem tive o prazer de discutir sobre esse tema esta semana. O encontro com um grupo com esse nome não poderia ter sido ruim, não é mesmo?
Referências:
CAPANEMA, Carolina Marotta. Introdução. In: A natureza política das Minas: mineração, meio ambiente e sociedade no século XVIII. 1. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2019.
CABRAL, Diogo de Carvalho. Por uma história florestal da América portuguesa. In: Na presença da floresta: Mata Atlântica e história colonial. Rio de Janeiro: Garamond, 2014.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 2006.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 8ªed. São Paulo: Contexto, 2001.
LEFF, Enrique. Sobre a articulação das ciências na relação natureza-sociedade. In: Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2002.
MARQUEZ, Renata Moreira. Imagens da natureza. In: HISSA, Cássio Eduardo Viana (org.). Saberes ambientais: desafios para o conhecimento disciplinar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.4, n.8, 1991, p.198-215.
Bibliografia complementar
ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: el medio, la cultura y la expansión de Europa. México: Fondo de Cultura Económica, 2000.
DUARTE, Regina Horta. História & natureza. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
DUARTE, Regina Horta. Por um pensamento ambiental histórico: O caso do Brasil. Luso-Brazilian Review, 41:2, 2005, p. 144-161.
DRUMMOND, José Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.4, n.8, 1991, p.177-197.
PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos avançados, 24 (68), 2010.
Como citar este texto:
CAPANEMA, Carolina M. O que é história ambiental? Em Tudo Vejo Natureza, Viçosa. 2020. Disponível em: <https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/o-que-%C3%A9-hist%C3%B3ria-ambiental>. Acesso em: [Data de acesso].
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