Cada vez que pego a estrada, algo me choca na paisagem. Da última vez foram os inúmeros focos de incêndio. Dessa vez, foram os eucaliptais e os solos expostos pela derrubada e corte de árvores. Estou na zona da mata mineira, mas poderia estar em qualquer outro lugar deste mundo globalizado.
A bióloga estadunidense Rachel Carson (1907-1964), em seu livro “Primavera Silenciosa” (1962), considerado pioneiro do movimento ambientalista contemporâneo, produziu uma interessante análise sobre o tema:
“O cultivo da terra com um único gênero de plantação não tira vantagem dos princípios pelos quais a natureza opera; a agricultura, dessa maneira, é agricultura como o engenheiro a concebe. A natureza introduziu grande variedade na paisagem; mas o homem vem acusando inclinação para simplifica-lá. Assim, o homem desfaz os controles e os equilíbrios intrínsecos, por meio dos quais a natureza mantém as espécies dentro de determinados limites”.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) apresenta a seguinte definição de florestas, muito utilizada por órgãos governamentais nacionais e internacionais:
“Terra com uma cobertura de copa (ou seu grau equivalente de espessura) com mais de 10 por cento da área e uma superfície superior a 0,5 hectares (ha). As árvores deveriam atingir uma altura mínima de 5 metros (m) em sua madurez in situ. Dentro da categoria de floresta estão incluídos todos os talhões naturais jovens e todas as plantações estabelecidas para fins florestais, que ainda devem crescer até atingir uma densidade de copa de 10 por cento ou uma altura de 5 m. Também se incluem nela as áreas que normalmente formam parte da floresta, mas que estão temporariamente sem árvores, por causa da intervenção do homem ou por causas naturais, mas que eventualmente voltarão a transformar-se em floresta”.
Neste enquadramento, uma plantação para fins comerciais, como o eucaliptal que vemos acima, torna-se uma floresta, e pior, mesmo em situação de devastação, como mostrado nas imagens.
Mas devemos entender tal definição apenas como expressão da realidade ou podemos (e devemos) compreendê-la como uma construção que atende a interesses específicos? Como observou o historiador alemão Koselleck (1923-2006), no momento em que um conceito é canonizado, ele pode alterar os fatos. Portanto, chamemos o conjunto de árvore que vemos nas fotos pelo nome adequado: monocultura, e não florestas.
Nomear é um ato político, pois organiza e classifica as formas de perceber a realidade. Conceitos não são apenas dados. São estabelecidos em contextos históricos específicos e podem ser objetos de intensas disputas de poder. A denominação genérica de floresta para designar qualquer área coberta por árvores representa a que tipo de interesses e a quais setores econômicos?
Já pensou nisso?
Referências bibliográficas:
CARSON , Rachel. Primavera Silenciosa. 2ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1969.
FAO. Departamento de Florestas. Avaliação dos Recursos Florestais Mundiais 2000 (FRA 2000). Termos e Definições. Roma, 18 de novembro de 1998. Disponível em: http://www.fao.org/forestry/4222-0dd83a652d950f2fcd7d74272ecdb39db.pdf. Acesso em: 10/10/2021.
EMBRAPA. Agência Embrapa de Infomação Tecnológica; JUNIOR, José Elidney Pinto. Árvore do conhecimento: Eucalipto. Disponível em: http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/eucalipto/arvore/CONT000h018tez002wx7ha07d3364ou52xmn.html. Acesso em: 10/10/2021.
KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos Históricos. Rios de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992.
MOVIMENTO MUNDIAL PELAS FLORESTAS TROPICAIS. Definição de Floresta. Disponível em: https://wrm.org.uy/pt/files/2011/11/Definicao_de_floresta.pdf. Acesso em: 10/10/2021.
MOVIMENTO MUNDIAL PELAS FLORESTAS TROPICAIS. As plantações não são florestas. Disponível em: https://wrm.org.uy/pt/files/2003/08/As_Plantacoes_nao_sao_florestas.pdf. Acesso em: 10/10/2021.
Como citar este texto: CAPANEMA, Carolina M. Nem todo conjunto de árvores é digno de ser chamado de floresta. Viçosa. 2021. Disponível em: ps://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/nem-todo-conjunto-de-arvores-e-digno-de-ser-chamado-de-floresta. Acesso em: [Data de acesso].
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