No século XVIII, principalmente na primeira metade, não era comum ver a palavra natureza expressar de forma separada e sintética o meio biofísico (clima, rochas, solos, águas, vegetação e animais), no sentido que lhe atribuímos hoje: o mundo material, que existe independentemente das atividades humanas; o conjunto de elementos (mares, montanhas, árvores, animais etc.) do mundo natural.
Nos documentos que consultei para minha pesquisa sobre as relações entre sociedade e natureza em Minas Gerais no século XVIII não encontrei sequer uma vez o termo com esse significado. O mesmo se observa no verbete “natureza” da maior enciclopédia produzida na Europa naquele período, a Encyclopédie (publicada na França entre 1751 e 1772), de Diderot e D’Alembert. Nela o conceito se aproxima muito mais da ideia de essência e origem das coisas, como referenciado no dicionário de Rafael Bluteau (discussão feita no post anterior) Não quer dizer que a associação da palavra com o meio biofísico não existisse, mas implicava um significado muito mais complexo.
Mas, se uma noção de natureza como meio biofísico não era comum, em termos de experiência histórica, contudo, se pensava a natureza como meio biótico. Na Inglaterra, por exemplo, as pessoas experimentaram, entre os séculos XVI e XVIII, uma profunda modificação nas sensibilidades em relação ao ambiente, incluindo o desenvolvimento de estudos científicos por meio da história natural.
Na América portuguesa, a expressão “produções naturais”, muito utilizada a partir da segunda metade do século XVIII, talvez seja a que mais se aproxima de uma conceituação de meio biofísico. Mas tinha um significado bem utilitarista, voltado à vida prática, que vinculava a natureza aos seus usos econômicos. Isso pode nos remeter a uma outra importante discussão que fica para uma oportunidade futura: as diferentes formas de se valorizar a natureza.
As sociedades atribuem diferentes valores ao ambiente em cada período. Eles podem estar vinculados à sua importância intrínseca, estética, científica, cultural, funcional, além da econômica, já citada. Você já pensou quais os motivos que a/o fazem dar valor à natureza? Talvez esteja aí uma bela reflexão para hoje: dia mundial do meio ambiente.
A imagem acima é de um livro de Joaquim José Lisboa, publicado no início do XIX (1804), e exibe em seu título - “Descrição curiosa das principais produções, rios e animais do Brasil, principalmente da Capitania de Minas Gerais” - essa ideia de valorização da natureza pelo seu valor utilitário/econômico.
Este texto foi baseado em reflexões originalmente feitas em:
CAPANEMA, Carolina Marotta. O conceito de natureza. A natureza política das Minas: mineração, meio ambiente e sociedade no século XVIII. 1. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2019.
Referências utilizadas no texto:
DIDEROT, Denis; ALEMBERT, Jean Le Rond d’; PIMENTA, Pedro Paulo; SOUZA, Maria das Graças de. Enciclopédia, ou, Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios. São Paulo: Editora UNESP, 2015, vol. 3 (Ciências da Natureza).
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 (CD-ROM).
LISBOA, Joaquim José. Descrição curiosa das principais produções, rios e animais do Brasil, principalmente da Capitania de Minas Gerais, estudo crítico e atualização ortográfica Melânia Silva de Aguiar. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 2002.
MUNTEAL FILHO, Oswaldo; MELO, Mariana Ferreira de (org.). Minas Gerais e a história natural das colônias: política colonial e cultura científica no século XVIII. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2004.
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais, 1500-1800. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
VANDELLI, Domenico. Memória sobre algumas produções naturais das conquistas [1789]. Academia das Ciências de Lisboa. Memórias Econômicas, vol. 1, Lisboa, 1990.
Algumas referências complementares sobre o tema:
CALAFATE, Pedro Calafate. A ideia de natureza no século XVIII em Portugal (1740-1800). Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1994.
DIDEROT, Denis. Da interpretação da natureza e outros sentidos [1754]. São Paulo: Iluminuras, 1989.
KAWANA, Karen Kazue. Natureza dividida: considerações sobre a ideia de natureza no seculo XVIII e sua influencia na formação do pensamento. 2006. Tese (Doutorado). Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. São Paulo, 2006.
PRESTES, Maria Elice Brzezinski. A investigação da natureza no Brasil colônia. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2000.
Como citar este texto:
CAPANEMA, Carolina M. Natureza no século XVIII. Em Tudo Vejo Natureza, Viçosa. 2020. Disponível em: <https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/natureza-no-seculo-xviii>. Acesso em: [Data de acesso].
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