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Enquanto umas florescem, outras perdem suas folhas – Plantas e Antropocentrismo

Atualizado: 10 de jul. de 2021




Em certa época de sua vida como pesquisadora, a bióloga Hope Jahren se deparou com um grande problema.


Ela decidira pesquisar uma árvore, a hackberry (Celtis occidentalis), nativa da América do Norte. Estava interessada especificamente no seu fruto, que tem a baga tão dura como uma rocha, pois é composta por um mineral - opala -, como ela mesma descobriria.


O fato é que em um momento de suas investigações, Jahren selecionou algumas árvores para pesquisar no Colorado (EUA) e lá se estabeleceu, como boa observadora científica, no verão de 1995. Contudo, para sua grande decepção, especificamente naquele ano, os espécimes que ela havia escolhido não floresceram. E aquilo quase a levou a loucura. Afinal, porque eles não abriram suas flores? E porque exatamente naquele ano, ela se perguntava. Aquilo estava destruindo suas possibilidades de pesquisa.


Mas, por outro lado, aquele acontecimento acabou a levando a sua primeira grande conclusão autônoma como pesquisadora (o que ela metaforicamente chama em seu livro de sua “primeira folha de verdade”). Ela descobriu que precisava mudar o foco: as árvores estavam dando algum sinal que ela, com seu olhar antropocêntrico e previsível, baseado em dados externos, não estava conseguindo enxergar.


E foi assim que Jahren aprendeu a lição que considera a mais importante sobre ciência: “as experiências não são sobre fazer o mundo funcionar do jeito que você quer”. A partir dali, ela decidiu que iria estudar as plantas de uma maneira nova: partindo de dentro, e não de fora. E passaria o resto de sua carreira tentando descobrir porque as plantas faziam o que faziam, tentando entender sua lógica própria.


Vocês já pensaram em como os estudos dos seres vivos e do meio abiótico são guiados pela utilidade que têm para nós, seres humanos? A ciência com pouco interesse comercial e aplicado é geralmente subestimada por agências financiadoras de pesquisa, bem como pela própria comunidade científica. Assunto que a autora aborda em outro capítulo de seu livro "Lab Girl".

Tudo isso tem como base a centralização das pesquisas em interesses humanos, uma longa tradição que se perpetua há séculos no mundo ocidental. E que, ao mesmo tempo, nos impede de compreender com mais clareza as nossas próprias relações com a natureza ao longo do tempo. Afinal, o mundo biofísico têm suas próprias dinâmicas ecológicas e, mesmo se quisermos continuar com um olhar antropocêntrico, não compreender essas dinâmicas próprias da natureza nos leva a um entendimento menos apurado dos próprios processos histórico-sociais em suas relações com a natureza e o universo.


As fotos que vocês veem acima foram tiradas no primeiro dia de inverno deste ano de 2021, no campus da Universidade Federal de Viçosa. Enquanto uma árvore perdia suas folhas, outra florescia. Há ali uma lógica interna a cada planta, que se relaciona com inúmeros fatores que não se explicam necessariamente pela demarcação das estações, uma das convenções humanas para marcar o tempo. Assim como os calendários, o conceito de estações deriva de cálculos submetidos ao ritmo do universo, mas também de convenções culturais.


Como afirmou o historiador Jacques Le Goff, a conquista do tempo por meio da medida é um dos importantes aspectos do controle do universo pela humanidade.


 

Referências bibliográficas:


JAHREN, Hope. Lab girl: a jornada de uma cientista entre plantas e paixões; tradução Daniela Rigon. 1ª ed. Riod de Janeiro: HarperCollins, 2017.


LE GOFF, Jacques. Calendário. In: História e Memória; tradução Bernanrdo Leitão... [et.al.]. 5ª ed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2003.

 

Para saber mais sobre as convenções humanas sobre o tempo:


LE GOFF, Jacques. “Antigo/Moderno”. In: História e memória. 5ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003, p.173-206.


POMIAN. K. “Periodização”. Enciclopédia Einaudi, vol. 29. Porto: Imprensa Nacional– Casa da Moeda, 1984, p.164-213.

 

Como citar este texto:


CAPANEMA, Carolina M. Enquanto umas florescem, outras pedem as folhas - Plantas e Antropocentrismo. Viçosa. 2021. Disponível em: https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/enquanto-uma-florescem-outras-perdem-suas-folhas-plantas-e-antropocentrismo. Acesso em: [Data de acesso].







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