Em 22 de abril é celebrado o dia da Terra.
Apesar de duvidar da efetividade destas datas comemorativas ou de "conscientização”, convido vocês a acompanharem uma reflexão crítica e sensível sobre nossas relações com este ente pouco palpável, a partir da perspectiva de Antônio Bispo dos Santos, poeta, escritor, liderança quilombola e intelectual, que prefere ser chamado de relator de saberes.
O texto é resultado da transcrição da fala de Antônio Bispo no 4º Simpósio Científico 2020 – ICOMOS Brasil e 1º Simpósio Científico 2020 – ICOMOS LAC, na mesa “Patrimônio imaterial, meio-ambiente e paisagem cultural”, realizada no dia 26/08/2020, no canal do YouTube do IEDS Instituto.
Antônio Bispo é autor de inúmeros artigos e poemas, e dos livros “Quilombos, modos e significados” (2007) e “Colonização, Quilombos: modos e significados” (2015). Foi professor e mestre do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG e do projeto Encontro de Saberes na Universidade de Brasília.
“Viva! Viva! Porque todas as vidas importam. Então, nós nos quilombos não vivemos em crise. Crise é uma coisa da sociedade colonialista, nós vivemos em guerra permanente. Desde o início do colonialismo. E, em guerra, o que nós compreendemos é que nesse exato momento nós estamos tendo uma resposta dos demais seres, dos demais viventes, das demais vidas que existem em todo e qualquer bioma para a sociedade euro cristã colonialista que se autodenomina como humanos. Os humanos conveniaram entre si que eles são a espécie mais importante do mundo. E por conta disso, eles criaram o DESENVOLVIMENTO. O que que é desenvolver? É desconectar, é deslocar, é desfazer, é desenvolver. Então, o desenvolvimento, a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha, se vocês não leram a carta de Pero Vaz de Caminha, por favor, leiam. A carta de Pero Vaz de Caminha foi o primeiro EIA-RIMA que foi escrito no Brasil. A partir da carta de Pero Vaz, o desenvolvimento chega nas comunidades que são envolvidas e não desenvolvidas e tentam dizer para as comunidades como elas devem viver. Ora, eu habito no Quilombo Saco-Curtume no semiárido. Essa semana eu vi em todos os meios de comunicação que existe uma grande mobilização em defesa da Amazônia. Onde é que tem uma grande mobilização em defesa da caatinga? Se a Amazônia tem o maior volume de água no mundo, a caatinga tem o maior volume de sol. E quem foi que disse que água é mais importante que o sol e que o sol é mais importante que a água? A caatinga tem um grande volume de sol, um grande volume de vento, um grande volume de terra, porque como a mata não é tão adensada, o contato entre o sol e a terra é muito mais forte. E porque isso não é discutido na mesma proporção que se discute a Amazônia? Então eu estou dizendo isso é pra dizer que nós não estamos em crise, nós estamos em guerra, desde sempre, e que o coronavírus é apenas mais uma pandemia. Quando a sociedade euro cristã monoteísta joga veneno na agricultura, ela provoca uma pandemia para os viventes de qualquer bioma que é atingido por esse veneno. Quando a sociedade euro cristã monoteísta joga resíduos de gases, resíduos gasosos na atmosfera, ela também provoca uma grande pandemia para todos os seres dos astros. E quando esses seres humanos, associados pelas propriedades, jogam esgoto nas águas, eles também provocam pandemia para todos os seres. Então, na verdade não existe crise, existe uma doença chamada cosmofobia, que a sociedade euro cristã monoteísta é portadora. Ou seja, o medo do cosmo, o medo da natureza."
Textos de Antônio Bispo dos Santos:
SANTOS, Antonio Bispo. Quilombos, modos e significados. Sem referência, 2007.
SANTOS, Antonio Bispo. Colonização, Quilombos: modos e significados. Brasília: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa - INCTI; Universidade de Brasília -UnB; Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia - INCT; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI, 2015.
SANTOS, Antonio Bispo. Somos da terra. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 12, página 44 - 51, 2018. Disponível em: https://piseagrama.org/somos-da-terra/. Acesso em 01/05/2021.
Entrevista:
CARDOSO, Tiago Mota. Entrevista com Antônio Bispo dos Santos. Coletiva, 04/2021. Disponível em: https://www.coletiva.org/entrevista-antonio-bispo. Acesso em: 01/05/2021.
Referências:
UFMG. Saberes Tradicionais UFMG. Disponível em: https://www.saberestradicionais.org/antonio-bispo-dos-santos/. Acesso em: 22/04/2021.
IEDS INSTITUTO. Webinar 4 - Patrimônio imaterial, Meio-ambiente e Paisagem Cultural. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=E1BokxIvRR4. Acesso em: 22/04/2021.
Como citar este texto:
CAPANEMA, Carolina M. Cosmofobia. Viçosa. 2021. Disponível em: https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/cosmofobia. Acesso em: [Data de acesso].
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