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Belezas de um mundo fabricado: arquitetura e árvores cultivadas


Laboratório de Dendrologia da Universidade Federal de Viçosa. Foto: Carolina Capanema, out. 2020.
Laboratório de Dendrologia da Universidade Federal de Viçosa. Foto: Carolina Capanema, out. 2020.

Quais são os limites entre o natural e o cultural?


A foto acima é de um espaço administrado pelo Laboratório de Dendrologia, vinculado ao Departamento de Engenharia Florestal da UFV (Universidade Federal de Viçosa). Dendrologia é o ramo da botânica dedicado ao estudo das árvores. Naquele ambiente há diversas espécies arbóreas que foram plantadas para o desenvolvimento de pesquisas nesse campo do conhecimento. Entre elas, cito algumas que encontrei no caminho: jatobá, cedro, vinhático-da-mata, sapucaia, abricó-de-macaco, pau-ferro, cajá-mirim, eucalipto, guatambu, barriguda, araucária (a exuberância de uma delas - um jatobá - pode ser observada no vídeo abaixo. Sugiro que use todos os sentidos e ative o áudio).



À primeira vista, este espaço arborizado parece ter estado sempre ali, nos remetendo à ideia arraigada no pensamento ocidental de “natureza intocada”. Talvez devido à densidade da floresta, ao número de espécies plantadas (são mais de 1500) e à grandiosidade de algumas delas. Contudo, a composição florestal da área é histórica e foi inciada apenas em 1965, quando o laboratório de Dendrologia foi criado e iniciou-se o plantio daqueles espécimes arbóreos (excetuando-se alguns que, como a gameleira que aparece na primeira foto, já existiam).


Até o início do século XX, o local era conhecido como “fazenda do Xaxá”, pertencente a Alexandre Ferreira da Silva, e foi uma das propriedades adquiridas na década de 1920 pelo estado de Minas Gerais para abrigar a Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (ESAV). Esta depois veio a tornar-se a Universidade Federal de Viçosa. Segundo informações apresentadas pela responsável pelo setor de Dendrologia, Karine Caiafa, a vegetação que predominava até a instalação do laboratório (1965) no local era o capim, já que a pecuária era a principal atividade desenvolvida na propriedade (a imagem abaixo, de 1922, oferece um panorama da paisagem na época da criação da ESAV. A construção, à esquerda da foto, é a sede da fazenda, ainda preservada).


Vale do Xaxá (1922). Fonte: Arquivo Central e Histórico da UFV. Disponível em: https://www.locus.ufv.br/handle/123456789/8743. Acesso em: 16/10/2020.
Vale do Xaxá (1922). Fonte: Arquivo Central e Histórico da UFV.

A partir deste caso, volto, então, à questão colocada no início do texto: qual é o limite entre o cultural e o natural? É possível compreender o arboreto criado especialmente para o desenvolvimento de estudos florestais como um espaço unicamente natural, sendo a floresta criada artificialmente por humanos? Em contraposição, se o espaço é ocupado essencialmente por espécies vegetais, é possível estudá-lo apenas a partir da categoria cultural? A vida vegetal que ali se desenvolveu possui características que são intrínsecas às dinâmicas de cada espécie e em interação umas com as outras. Para trazer um pouco mais de complexidade à discussão: podemos considerar a construção arquitetônica da casa de fazenda como um produto unicamente cultural, ignorando que sua construção dependeu diretamente do uso de materiais advindos do chamado mundo natural?

Nas políticas públicas brasileiras de patrimonialização e conservação, por exemplo, cada categoria representada (o imóvel e a floresta) é geralmente tratada de forma apartada por instituições distintas, que as representam como de interesses excludentes: patrimônio cultural e áreas naturais de interesse para a conservação. E mesmo conceitos mais atuais, como o de paisagem cultural, em geral não dão conta da sincronia dos processos de formação do ambiente e da cultura.


Estas são algumas reflexões e questões que considero importantes para a construção de uma história menos dualista firmada em uma concepção de interação mútua entre sociedade e natureza.

 

Referências:


BERNARDES, Rosilene. Ampulheta urbana: uma análise da construção da UFV e de sua influência na (des)construção da cidade de Viçosa – MG através das transformações no tempo e no espaço. Monografia (Bacharelado em Geografia). Departamento de Geografia, Universidade Federal de Viçosa, 2013.

CAIAFA, KARINE FERNANDES. Florestas Online - A nova fase do setor florestal de Dendrologia da UFV. 30/11/2018. Disponível em: https://maisfloresta.com.br/videos/florestas-online/florestas-online-a-nova-fase-do-setor-florestal-de-dendrologia-da-ufv-894.html. Acesso em: 15/10/2020.

LISBOA, João Carlos Bello. Relatório de construção da ESAV (1929) elaborado pelo engenheiro João Carlos Bello Lisboa. Organizado por José Marcondes Borges, Gustavo Soares Sabioni. Viçosa: UFV, 2004.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Dendrologia. Departamento de Engenharia Florestal. Disponível em: http://www.def.ufv.br/?page_id=579. Acesso em: 15/10/2020.

 

Como citar este texto:


CAPANEMA, Carolina M. Belezas de um mundo fabricado: arquitetura e árvores cultivadas. Viçosa. 2020. Disponível em: <https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/belezas-de-um-mundo-fabricado-arquitetura-e-arvores-cultivadas>. Acesso em: [Data de acesso].


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