Quem está em Minas Gerais deve estar assustado/a com os estragos causados em algumas regiões nos últimos dias. Enchentes, deslizamentos de terra, queda de rochas, ameaça de rompimento de barragens de rejeitos de mineração e de água.
Para além da tristeza com a situação de risco e abandono de moradores de várias cidades, me chocam alguns discursos propagados por autoridades políticas, dirigentes de grandes empresas e até mesmo pela sociedade civil culpabilizando a natureza e/ou atribuindo os eventos a um intervenção divina.
Culpar a natureza ou atribuir processos que a envolvam à um castigo divino é um discurso histórico antigo, conhecido como providencialismo. Uma teoria filosófico-religiosa que defende que Deus é o verdadeiro protagonista e sujeito da história e que tudo pode ser atribuído à providência divina.
Mas o pior desses discursos é que irrefletidamente ou propositalmente, eles são coniventes com processos de exploração social e ambiental excludentes e dilacerantes da nossa cultura e do nosso ambiente. Não é à toa que eram tão aceitos no Antigo Regime, quando as hierarquias sociais eram cristalizadas.
Eles desresponsabilizam os verdadeiros culpados e as relações de poder que permeiam a constituição do que chamamos de “desastres”. Dessa forma, todos podem lavar suas mãos nas águas barrentas que descem das barragens e dos solos devastados dos nossos territórios.
O que está acontecendo e geralmente se repete anualmente, com agravamentos visíveis a cada ano, não é culpa da natureza e muito menos da providência divina. Mas da forma como se ocupam os solos urbanos, se retificam e canalizam rios, se impermeabilizam espaços que deveriam ser permeáveis e do modelo predatório de exploração das nossas rochas, solos e rios. E isso não é “privilégio” do Brasil, mas de toda a América Latina que se configura como um espaço subalterno que pode ser explorado, arrasado e reconfigurado, segundo as necessidades dos regimes de acumulação vigente.
Precisamos nos lembrar que não há nada de “natural” nos desastres que ocorreram em Minas nos últimos dias, eles são de responsabilidade humana e, principalmente dos poderes públicos que se omitem em suas responsabilidades e optam por um modelo cruel de exploração socioambiental, afrouxando cada vez mais os marcos regulatórios ambientais. Lembrando que a maior parte dos atingidos é sempre gente em situação de maior vulnerabilidade social e ambiental.
Referências:
CAPANEMA, Carolina Marotta. Inundação, religião e poder. In: A natureza política das Minas: mineração, meio ambiente e sociedade no século XVIII. Belo Horizonte: Editora Letramento, 2019.
CAPANEMA, Carolina Marotta. Mineração e destruição socioambiental em Minas Gerais: uma aproximação entre o passado e o presente. HH Magazine: humanidades em rede, Mariana, 10 mar. 2021.
HESPANHA, António Manuel. “A Ordem”. In: Imbecillitas: as bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010, p.47-67.
Como citar este texto: CAPANEMA, Carolina M. As chuvas e a conivência do providencialismo. Viçosa. 2021. Disponível em: https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/as-chuvas-e-a-conivencia-do-providencialismo. Acesso em: [Data de acesso].
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