Em 2019 publiquei meu primeiro (e ainda único) livro. Ele é fruto da tese defendida na UFMG no final de 2013 e trata das relações entre mineração do ouro, sociedade e ambiente no século XVIII.
Na época em que escrevi, nenhum dos absurdos crimes socioambientais associados à mineração, cometidos pela Vale S.A. e pela Samarco S.A., havia acontecido. Mas desde 2015, quando houve o rompimento da barragem em Mariana, toda vez que acontece um desastre relacionado à mineração não consigo deixar de associar o presente às decisões tomadas no passado em Minas.
No dia 8 de janeiro deste ano de 2022, nós, mineiros, fomos vítimas de mais um crime socioambiental. O deslizamento de uma pilha de estéril da Mina Pau Branco, em Nova Lima/Brumadinho (MG), de propriedade do grupo francês Vallourec, provocou o transbordamento de um dique que atingiu a BR-040 e causou danos para vidas humanas e não humanas ainda não totalmente mensurados.
A história é feita de continuidades e rupturas, e a história da mineração me parece mais um conto de terror cheio de continuidades.
Apesar de os sujeitos históricos envolvidos na exploração mineral no século XVIII e no XXI serem diferentes, há uma semelhança clara entre as escolhas que se fizeram no passado e ainda se fazem no presente, como a manutenção das atividades de mineração a qualquer custo, mesmo quando elas colocam vidas humanas e não humanas em risco.
No passado, a coroa portuguesa e os envolvidos na mineração estavam interessada nos lucros e nos privilégios que a atividade lhes garantia. No presente, ainda que a exploração do minério de ferro seja engendrada por empresas multinacionais, o Estado brasileiro continua se posicionar a seu favor.
Afinal, a mineração atende não somente aos interesses das grandes corporações internacionais, mas também aos interesses das próprias instituições públicas e dos ocupantes de seus cargos que muitas vezes se beneficiam de recursos adivinhos da atividade. Assim, perpetua-se no tempo um projeto colonialista que sustenta a expansão do sistema financeiro e comercial, a despeito de todos os seus custos socioambientais.
Não dá pra normalizar o que a mineração tem feito em Minas Gerais. Temos sido reféns de um sistema político e econômico cruel, em que toda a autoridade passa pelo poder econômico de grandes empresas que, por sua vez, definem o que o cidadão pode ou não fazer, como pode ou não viver, se pode ir e vir.
Como disse o sempre sensível e certeiro Ailton Krenak,
“o lugar onde estou é chamado Quadrilátero Ferrífero. É de um mau gosto enorme dar um nome desses para um lugar. O que ele quer dizer? Que estamos ferrados.”
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Referências:
ANGELO, Mauricio. Dique da francesa Vallourec transborda em Minas Gerais e interdita a BR-040. Segurança é questionada. Observatório da Mineração. Disponível em: https://observatoriodamineracao.com.br/dique-da-francesa-vallourec-transborda-em-minas-gerais-e-interdita-a-br-040-seguranca-e-questionada/. Acesso em: 18/01/2022.
ANGELO, Mauricio. Exclusivo: Estrutura da Vallourec que cedeu em MG teve reunião extraordinária, licenciamento expresso e alertas de ambientalistas em sua ampliação. Observatório da Mineração. Disponível em: https://observatoriodamineracao.com.br/exclusivo-estrutura-da-vallourec-que-cedeu-em-mg-teve-reuniao-extraordinaria-licenciamento-expresso-e-alertas-de-ambientalistas-em-sua-ampliacao/. Acesso em: 18/01/2022.
CAPANEMA, Carolina Marotta. Mineração e destruição socioambiental em Minas Gerais: uma aproximação entre o passado e o presente. HH Magazine: humanidades em rede, Mariana, 10 mar. 2021.
KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Cia das Letras, 2020.
Como citar este texto: CAPANEMA, Carolina M. A natureza política das minas. Viçosa. 2021. Disponível em: https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/a-natureza-politica-das-minas. Acesso em: [Data de acesso].
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